REMINISCÊNCIA
Trago no que sou
um pesar de antiguidade,
como se fosse possível viver
para além da morte
Mas sinto, sinto que não vivo
Sou a memória de vidas antigas
Sou o que o tempo guardou
entre o passado e a morte
Sinto um pesar etéreo
de longa vivência e sabedoria
habitar este corpo de meu nome
E não sei se sou ser vivo
ou Memória
Dificilmente recordo ou defino
diálogos que com os deuses houvera
Mas sinto os ecos ribombarem
em toda a minha cabeça como se
aí coubesse todo o universo
Entendo-me, sim
com o vento nas folhagens
os pássaros leves
Para além disso, nada sei
pouco recordo
Mas sei que esta não sou eu
Desconheço também as coisas práticas
desta vida, tais como ser carne vivente
e entregar o corpo a paixões terrenas
Musas zumbem-me ao ouvido
como se eu ainda pudesse escutar
ou compreender a sua linguagem
Pouco ou nada recordo da minha alma
Sei apenas que caminhar
é assentar no chão a planta dos pés
Olho para dentro de mim e sinto
vindas das profundezas da luz
sábias palavras
qual surdo marulhar de secretos oráculos
perdidas, perdidas no tempo
mas guardadas em mim
dentro do esquecimento
Maria Saraiva de Menezes
(Homenagem a PLATÃO)
in Pegadas de Vento, Tecto de Nuvens, Porto, Maio 2008.
Comentários
No entanto, é no fundo das palavras e na força das sensações, que este poema tão íntimo e tão etéreo, ao mesmo tempo, nos joga contra a gravidade da memória e a frescura das expetativas do futuro!
Este poema é coisa séria... e engrandece bem a força humana da poesia.